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FRAX® Portugal – 10 anos de serviço semi-desperdiçado.

Completam-se, em 2023, 10 anos da disponibilização da versão portuguesa do FRAX®.(1)

Este facto inaugurou uma nova era no tratamento da osteoporose em Portugal, ao permitir a identificação dos candidatos a tratamento numa base cientificamente sólida e validada, ao invés da estimativa semi-quantitativa de que dispúnhamos até então.

O FRAX® foi selecionado como o mais adequado para Portugal de todos os instrumentos para estimativa do risco de fratura, com base numa revisão sistemática altamente cotada(2).  A fiabilidade do FRAX® Portugal foi comprovada com um estudo de grande dimensão e extensão, feito na população a que se destina.(3) Demonstrou-se que o seu grau de acerto na predição da fratura de fragilidade é maior do que o uso isolado da densidade mineral óssea. Esta poderia mesmo, de acordo com esses dados, ser dispensada em Portugal sem prejuízo significativo na fiabilidade da previsão.

Os limiares de intervenção mais adequados para a população portuguesa foram estabelecidos com base no FRAX® em estudos fármaco-económicos nacionais, considerando a prevalência e o custo das fraturas osteoporóticas, bem como o custo e eficiência dos diversos tratamentos preventivos de fratura, em Portugal.(4)

O FRAX® foi inserido nas recomendações multidisciplinares nacionais para o início da terapêutica e para a realização da densitometria(5), estabelecendo a indicação da terapêutica com base no risco individual de fratura e limitando a necessidade de densitometria a uma percentagem pequena dos casos com potencial indicação para tratamento.

As recomendações nacionais para o tratamento da osteoporose, publicadas em 2018(6), também elas reunindo o consenso de todas as especialidades envolvidas no tratamento da osteoporose em Portugal, tomam o FRAX® Portugal como o pilar central da decisão de tratar.

Estava concluído um conjunto de estudos e de recomendações que dotam a Medicina Portuguesa de instrumentos modernos e validados para promover a prevenção de fraturas osteoporóticas com base nas melhores práticas baseadas em evidência. O acesso à densitometria e aos medicamentos mais eficazes não é um problema em Portugal.

A qualidade destes recursos é enaltecida num relatório recente da International Osteoporosis Foundation(7) que coloca Portugal numa posição cimeira quanto a estes indicadores. O impacto dessas disponibilidades na ocorrência de fraturas é, contudo, desconhecido já que não existem estudos recentes sobre a epidemiologia destes eventos no nosso país – oficiais ou da iniciativa de investigadores. Este mesmo relatório sublinhava, contudo, existirem no nosso país duas carências decisivas que podem pôr em perigo o nosso sucesso no indispensável combate à epidemia da Osteoporose:

  1. Falta uma política nacional de combate à osteoporose.

    As autoridades de Saúde, que providenciaram o financiamento necessário aos estudos referidos acima, parecem ter decidido colocar uma pedra sobre o assunto. As Normas de Orientação Clínica continuam sem atualização desde 2010, desperdiçando o benefício para a população e para as contas públicas de todo o trabalho desenvolvido. Foram propostas por nós novas NOCs baseadas no FRAX® e nas recomendações enunciadas, mas continuam enterradas numa qualquer gaveta da Direção-Geral de Saúde, resistentes aos nossos esforços de ressuscitação. Foram feitos esforços diversos por parte dos autores destes estudos para despertar o interesse desta mesma direção-geral e, mais recentemente, da coordenação executiva dos Serviço Nacional de Saúde. Nunca tiveram outro resultado se não o de fazer esmorecer o empenho contributivo de quem se dá a esse trabalho.
  2. Falta uma comunidade médica empenhada.

    O FRAX® Portugal foi utilizado, desde o seu lançamento, cerca de 316.000 vezes. O volume parece estimulante, já que um número idêntico de decisões terão sido melhor informadas do que na sua ausência. Contudo, parece-nos forçoso reconhecer que é uma utilização muito pequena para servir adequadamente uma população de 10 milhões de pessoas de pessoas ao longo de 10 anos. Terão ocorrido, neste mesmo espaço de tempo cerca de 700.000 fraturas osteoporóticas em Portugal(6), um número que demonstra que o uso do FRAX® é bem menor do que as necessidades justificariam.  Se todas as mulheres e homens portugueses com mais de 50 anos tivessem tido o seu risco de Fratura avaliado neste espaço de tempo (de acordo com as recomendações), nem que fosse uma só vez, teríamos 5.200.000 avaliações!

    A falta de empenho da comunidade médica é também refletida no número diminuto de prescrições de fármacos para osteoporose. Desconhecemos a existência de dados mais recentes, mas o número de prescrições baixou de 242 para 154 mil entre 2009 e 2014, ao mesmo tempo que o problema não deixava de aumentar. O que pode justificar esta evolução? Como evoluiu desde então?

    Mais recentemente tem surgido um movimento, com alguma energia, visando a constituição de unidades de fraturas de fragilidade (Fracture Liaison Services) em diversos hospitais do país, na tentativa de garantir que pelo menos as pessoas que já sofreram uma fratura, as que têm mais alto risco imediato de sofrer outra, não ficam sem tratamento. Este movimento louvável deixa a esperança de que as coisas possam mudar para melhor, ainda que as iniciativas o limitem a um punhado de empreendedores especialmente empenhados. O Estado, esse, continua olimpicamente alheio ao problema e às propostas de solução, apesar dos apelos, enquanto afirma “governar a pensar nas pessoas”…

Podemos, todos, cidadãos comuns e políticos, profissionais de saúde e famílias, votantes e eleitos, contribuintes e gestores da coisa pública, fazer bem melhor.

Aqui fica um apelo renovado.

Andrea Marques, RN, PhD
Professora da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

José António Pereira da Silva, MD, PhD
Professor de Reumatologia
Universidade de Coimbra

Referências:

  1. Andrea Marques A,…, JAP da Silva. A FRAX MODEL FOR THE ESTIMATION OF OSTEOPOROTIC FRACTURE PROBABILITY IN PORTUGAL Acta Reumatologica Portuguesa 2013;38:104-112.SLR
  2. Andrea Marques A,…, JAP da Silva. THE ACCURACY OF OSTEOPOROTIC FRACTURE RISK PREDICTION TOOLS: A SYSTEMATIC REVIEW AND META-ANALYSIS. Ann Rheum Dis. 2015 Nov;74(11):1958-67.
  3. Andrea Marques A,…, JAP da Silva. DO WE NEED BONE MINERAL DENSITY TO ESTIMATE OSTEOPOROTIC FRACTURE RISK? A 10-YEAR PROSPECTIVE MULTICENTRE VALIDATION STUDY. RMD Open 2017;3:e000509. doi:10.1136/ rmdopen-2017-000509
  4. Andrea Marques A,…, JAP da Silva. COST-EFFECTIVENESS OF INTERVENTION THRESHOLDS FOR THE TREATMENT OF OSTEOPOROSIS BASED ON FRAX® IN PORTUGAL Calcif Tissue Int 2016; 99:131–141.
  5.  Andrea Marques A,…, JAP da Silva. MULTIDISCIPLINARY PORTUGUESE RECOMMENDATIONS ON DXA REQUEST AND INDICATION TO TREAT IN THE PREVENTION OF FRAGILITY FRACTURES. Acta Reumatol Port 2016;41:305-21.
  6. Rodrigues A.M., …. JAP da Silva . Portuguese recommendations for the prevention, diagnosis and management of primary osteoporosis – 2018 update. Acta Reumatol Port. 2018;43:10-31
  7. Kanis J.A, …. Borgstrom F.  Fredrik Borgström.. SCOPE 2021: a new scorecard for osteoporosis in Europe. Archives of Osteoporosis (2021) 16:82
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